A noite foi pior do que eu esperava no albergue de Redondela. Foi desesperador, além da orquestra sinfônica de roncadores e flatulentos, ainda teve os walking night visitando o banheiro a cada meia hora.
A saudade dos primeiros dias de peregrinação bateu no peito, albergue vazio e uma boa noite de sono para revigorar o cansaço de um dia de caminhada. O jeito era tentar dormir utilizando os tampões de ouvido e a máscara para tampar os olhos nunca utilizados até o momento.
A estratégia da etapa era acordar cedo e seguir até Portela, onde vi numa placa que há albergue, assim eu evitaria a mesma situação no albergue de Pontevedra que é muito maior do que o de Redondela e recebe vários grupos de peregrinos.
A vantagem de caminhar até Portela era que metade da etapa seguinte teria sido percorrida e assim eu conseguiria fazer três etapas em dois dias. Teoricamente as três etapas tem 20 km em média, Redondela à Pontevedra, Pontevedra à Caldas de Reis, Caldas de Reis à Padrón.
Meu plano era chegar a Santiago de Compostela numa sexta-feira e com sol, duas coisas positivas no meu ponto de vista. Consultando a previsão do tempo o dia ensolarado estava garantido, então eu só precisava manter o ritmo de quilômetros caminhados até o momento.
O peregrino que conseguir chegar à Catedral num final de semana tem boas chances de ver o botafumeiro em ação, já que coincide com a chegada dos grandes grupos de peregrinos idosos que vem a cidade de ônibus e que pagam para assistir a cerimônia do incensário.
Mesmo tendo sido o segundo peregrino a sair do albergue, o que para mim não é muita vantagem, pois além de caminho devagar, ainda paro a todo instante para tirar uma foto e registrar alguma informação, fui aos poucos sendo ultrapassado por quase todos os peregrinos que estavam em Redondela, cada um que passava me desejava o habitual “Buen Camino”!
Alguns passavam mancando como se tivesse sentindo as dores das bolhas em seus pés, outros apenas passavam rapidamente com os olhos mirando o chão e sem nenhuma expressão de que estava gostando da caminhada matinal.
Como eu já tinha feito o Caminho Português ao revés, em 2011, fui me lembrando do que eu já tinha visto anteriormente, algumas coisas haviam mudado outras já não existiam mais. Assim é a dinâmica do Caminho de Santiago de Compostela e não dá para comparar cada rota, pois cada uma é única.
Notei que a oferta de albergues aumentou bastante nesses quatro anos, mas poucos estavam funcionando nesta época, pois a maioria fecham as portas no final de outubro e só abrem em março, poucos peregrinos no Caminho.
Aos poucos fui passando por todos os peregrinos novamente e me lembrei da história da tartaruga e do coelho, devagar e sempre, esse era o meu lema!
Como a maioria dos peregrinos começa o Caminho Português na cidade do Porto o corpo ainda não se acostumou com as dores da caminhada, ao contrário do que acontece com um peregrino que já vem desde Lisboa, que a mochila já não incomoda mais e sim faz falta para o equilíbrio do caminhante.
Em Ponte Sampaio encontrei com duas jovens senhoras, em seus quarenta e poucos anos, uma delas era hospitaleira no Caminho Francês e éramos amigos no Facebook, mundo pequeno!
Voltei a caminhar e quando dei por mim já estava em Pontevedra, eram 13hs e o albergue estava abrindo para mais um dia de trabalho, passei na frente e segui adiante.
Lembrei-me de 2011, como estava lotado e como era grande aquele lugar. Ali numa das paredes se encontra uma pintura com todas as etapas do Caminho Português, foi o que me ajudou a chegar ao Porto naquela época, pois além de não saber nada do Caminho Português ainda estava caminhando no sentido contrário. Foi uma grande aventura!
Aproveitei a farta rede de restaurantes de Pontevedra e parei para almoçar, era melhor garantir energia extra para o restante da etapa. Não estava encontrando local com o menu do peregrino, mas teoricamente é a mesma coisa do menu do dia, primeiro prato, segundo, sobremesa, vinho e pão inclusos, geralmente não passam dos 10€.
Eu particularmente prefiro os pratos combinados, são do tipo prato feito, além de serem mais baratos vem com menos batatas fritas. Aliás, na Espanha quase todos os pratos são cobertos de batatas fritas.
Antes de seguir para o Caminho novamente, uma pequena visita a Capela da Virgem Peregrina e ao Convento de São Francisco, ficam próximos um do outro e não longe do traçado das setas amarelas.
Ao retornar ao Caminho, encontrei com dois peregrinos que também saíram de Redondela, estavam descansando os pés num pequeno riacho, parei e perguntei se estava tudo bem, pois não imaginava que eles tivessem parado ali apenas para relaxar.
Convidaram-me para fazer o mesmo, dei uma desculpa e segui adiante, pois colocar os pés na água na metade da etapa era pedir pelo menos umas bolhas. O êxito de não ter tido problemas com bolhas até o momento é justamente pelo excesso de cuidados que tenho com os pés, mas noto que a camada de pele ressecada é grande.
Não demorou muito tempo e os dois peregrinos já me alcançavam, caminhavam rápido, mesmo com uma diferença enorme de altura entre os dois, eram duas passadas contra uma. O problema de tentar caminhar no mesmo ritmo é que um sempre se esforça mais do que o outro e isso acaba trazendo os problemas com bolhas e tendinites.
Antes de seguirem em frente, perguntei para onde eles estavam indo e me disseram que iriam para uma hospedaria local mais a frente. Só me restou desejar-lhes “Buen Camino!” e seguir o meu próprio Caminho, pois já vislumbrava o albergue onde passaria a noite em Portela, ou Barro, na verdade em San Mamede de Portela no Albergue de Peregrinos de Barro.
O albergue fica num pequeno desvio paralelo ao Caminho Português e é só seguir as indicações das setas de madeira que se encontram espalhadas nos últimos trinta quilômetros do percurso para chegar lá. Ao lado do albergue fica a Igreja Paroquial local.
Procurei referências no guia de Antón Pombo e acredito que a informação que ele coloca sobre esse refúgio é sendo o albergue público municipal de Barro, como o guia é de 2012 acho que está um pouco desatualizado.
A porta estava encostada e nela se encontrava todos os contatos do hospitaleiro, inclusive do WhatsApp. Que modernidade! Quem diria?
Entrei em contato com o hospitaleiro já utilizando a rede wifi do albergue que me respondeu prontamente, falou pra ficar à vontade e que depois viria. Acomodei-me e tomei logo banho.
Um tempo depois chega o hospitaleiro com sua filha, me mostrou todo o local, onde havia comida para cozinhar, vinho, tv, Wifi e como manusear a lareira, também me mostrou mantimentos para o café da manhã.
O local era extremamente agradável, fiquei imaginando aquele local na primavera e no verão, com o pessoal curtindo o sol na parte exterior, que naquele dia frio era impossível de desfrutar.
O pernoite custou €5, a comida era donativo e a garrafa de vinho mais €5. Melhor não poderia encontrar! Sem roncos pelo menos por mais uma noite.
Após o devido registro e carimbo na Credencial, se despediu me informando que era só encostar a porta quando eu saísse no dia seguinte. A casa era minha e comecei a fazer o jantar, macarrão com atum e ovos, acompanhado de vinho e pão que o hospitaleiro trouxe ainda quente. Estava ótimo!
Aproveitei a mordomia e fiquei assistindo TV até tarde, enquanto curtia o vinho e esquentava os pés na lareira. Foi uma noite agradável e aproveitei enquanto pude. Mais duas etapas e chegarei ao final de mais um Caminho rumo a Santiago de Compostela.
Próxima etapa Padrón, local onde se acredita está a pedra onde os discípulos de Santiago amarraram o barco onde estava o corpo do Apóstolo vindo de Israel. Se é verdade ou não, eis mais um mistério da fé!