Com a decisão de andar pouco nessa etapa, não havia pressa para deixar o albergue de Alvorge, o mesmo não pude dizer dos dois peregrinos que também pernoitaram ali, acordaram cedo e seguiram em direção à Fátima.
Deixei tudo arrumado, assim como o donativo na caixa que fica na cozinha do albergue, me dirigi ao bar no centro da vila para deixar as chaves e tomar um pequeno almoço.
O dono não estava, mas fui atendido pela sua esposa com a mesma gentileza do dia anterior. Um café com leite e torradas, estava pronto para a maratona de oito quilômetros até Rabaçal.
Caminhar com tendinite é sempre uma maratona, eu que estava acostumado a caminhar grandes percursos agora era refém de uma dor insuportável na canela, mas enfim, de pouco a pouco chego a Santiago.
A guia trazia informações que em Rabaçal haveria hospedagem do tipo Rural no valor de € 15 em quarto individual, para mim estava ótimo e não muito distante. A estratégia era simples, caminhar e descansar, alongar e medicar. Sem desespero, pois tempo não era problema.
Os oito quilômetros foram feitos em três horas de caminhada até a entrada da Vila de Rabaçal, muito tempo, mas suficiente para chegar bem no horário do almoço e não muito para esperar o responsável pelo pequeno Hotel do Vilarejo.
Mais uma vez, as minhas condições me levaram a cadeira do primeiro café de Rabaçal e mais uma vez tive sorte de receber um bom acolhimento da dona do estabelecimento, com informações do alojamento, contato com o responsável, guarda da minha mochila, indicação para almoço e carimbo na Credencial.
Ela aproveitou e reservou um local no estabelecimento para que eu pudesse jantar por ali mesmo, pois não haveria outro lugar para isso. Enfim, muito se fez em apenas 15 minutos, então aproveitei e tomei mais um pequeno almoço enquanto esperava e decidia o que fazer com o meu tempo extra do dia.
A Vila de Rabaçal é bem interessante, além do Museu que fica ao lado do pequeno Hotel Rural, há ainda um miradouro, um parque arqueológico e dois Castelos para visitar. Muito para um pequeno vilarejo!
Nas minhas condições, infelizmente, só pude visitar o Museu ao lado do Hotel, mas a partir dali e com as informações prestadas pelos funcionários do Museu (que também funciona como posto de informações turísticas) é possível visitar os outros locais de interesse, que não ficam muito distantes do centro da Vila.
O Museu apresenta artigos e objetos coletados na Villa Romana de Rabaçal, com brinquedos, mosaicos, um enorme acervo de artefatos domésticos e militares. Para mim isso foi de grande surpresa, pois não imaginava que haveria algo tão preservado da presença militar Romana em Portugal, ainda mais uma Villa medieval inteira do séc. III.
Foi quase uma aula de história medieval exclusiva, pois só havia apenas um visitante no Museu, “Eu”. A funcionária do Museu me disse que mais adiante eu poderia visitar a Villa de Conímbriga, 12 quilômetros de Rabaçal. É claro que no dia seguinte eu faria isso!
Havia muito a fazer em Rabaçal e pouca disposição para isso, então nada mais certo do que procurar o Cantinho da Clotilde para restabelecer as forças e decidir qual local visitar para fazer a digestão.
O melhor de Rabaçal é que todos os locais de interesse não ficam distantes um do outro e só foi seguir alguns metros na rua principal, que é uma continuação da N347-1, e pronto!
Estava bem disputado o local, na verdade estava lotado! As senhoras andavam de um lado para o outro para atenderem todos os clientes. Indicaram-me uma mesa no canto e por ali fiquei observando o vai e vêm das senhoras e seus aventais coloridos.
É bem típico o uso desses aventais pelas senhoras portuguesas, no campo, em casa, restaurantes e bares, sempre as vejo com essa vestimenta. Bem prático também, pois além de proteger a roupa da sujeira, possuem grandes bolsos onde se pode colocar de tudo. É claro que pela vaidade feminina é possível encontrar modelos e cores variados, então, moda fashion exclusiva portuguesa.
Fui atendido por uma senhora e não me lembro das outras opções do cardápio, sei apenas que tinha bacalhau e essa foi minha escolha. O bacalhau vinha acompanhado de favas brancas e salada, além de pão, vinho, água e sobremesa pudim, o melhor foi o valor de € 8.
Depois dessa refeição só havia uma coisa a fazer... Siesta! E foi bem na hora que o responsável pela hospedagem chegou. Check-in realizado e cama!
Ainda haveria tempo para visitar um dos Castelos e apreciar a vista do Miradouro de Chanca, três quilômetros a oeste dali.
Minha soneca foi interrompida com o barulho e chegada de outros peregrinos. De certa forma era bom ter alguma companhia para o passeio da tarde, mas a preguiça era tanta que acabei ficando na cama descansando e massageando a perna inchada.
As informações que peguei do Castelo de Germanelo e do Castelo de Penela são que ficam no alto de colinas de Rabaçal e Penela, e tinham a função genérica de defesa da então capital Coimbra, pela linha do rio Mondego, das frequentes invasões dos mouros por volta do séc. XII.
O miradouro era uma construção recente e que dava para ver toda a Vila de Rabaçal e o vulto dos Castelos ao fundo.
De certa forma é possível fazer essa visita através do site: www.rabacal.net, além de muita informação e fotos, ainda é possível entrar em contato diretamente com a pousada da Vila.
Para a janta fui me reunir novamente no Café Bonito, onde parecia que todos os locais estavam ali, além dos outros peregrinos que se alojaram na pousada, três mulheres e um rapaz, todos conversando em inglês, mas não consegui saber a origem, pois os sotaques eram bem diferentes.
Preferi ficar no meu canto avaliando a próxima etapa e as minhas opções. Que não eram muitas, além de Conímbriga que era quase obrigatório a visita eu teria que caminhar até Cernache, único local no Caminho Português que havia um albergue, pois as outras opções de hospedagem eram fora do traçado, nada legal!
Enfim, serão dezoito quilômetros até Cernache, então foi bom ter descansado bastante na etapa do dia e amanhã devagar e sempre até o albergue de Cernache.
Enquanto isso, eu vou aproveitando o restinho da noite no Café Bonito, local onde se pode apreciar um bom sanduíche, salada ou sopa, além é claro do bom e velho vinho português.
Amanhã... Bom! Amanhã que Santiago me guie e me leve até o final da etapa!