Mesmo dormindo no albergue sozinho mantive a rotina matinal de acordar cedo, arrumar a mochila e tomar o café da manhã, na maioria dos dias o desayuno ou pequeno almoço era providenciado no inicio de cada etapa.
Mas dessa vez eu teria que fazer o meu próprio café da manhã, coisa simples, ovos fritos, suco de laranja, torradas e chá, pois não consegui fazer o café na cafeteira italiana. Na verdade, fiz a maior bagunça, pois nunca tinha utilizado esse tipo de cafeteira. Mas o café da manhã foi de hotel cinco estrelas!
Foi pelo menos diferente dos outros dias, pela primeira vez não tive que procurar uma cafeteria pela manhã, até porque a mais próxima estaria alguns quilômetros à frente.
As janelas da cozinha estavam fechadas e eu não vi o dia clareando, mas quando saí à névoa tomava conta da pequena vila, acontecimento mais que normal e típico da Galícia, muita humidade.
As setas amarelas estão esperando na estrada que segue paralela a rua do albergue, então o peregrino anda pouco até encontrar a primeira seta logo a frente.
A minha idéia era chegar a Padrón ou num vilarejo pouco mais adiante, para tentar chegar a Catedral de Santiago de Compostela antes da Missa do peregrino das 12hs00 e numa sexta-feira, assim eu teria o final de semana inteiro para curtir a cidade.
O plano era ousado, visto que teoricamente eu teria ainda uns cinquenta quilômetros pela frente, isso se a quilometragem mostrada no guia estivesse correta, mas há muito tempo que eu não acredito nisso.
O jeito era tentar manter uma marcha cadenciada e aumentar a quilometragem da etapa do dia. E assim foi, o primeiro o vilarejo de Briallos, onde descobri que também há um albergue para peregrinos e logo em seguida Soto, onde parei para um segundo desayuno.
No local funciona o albergue e bar Catro Canos, muito interessante. O dono - hospitaleiro - peregrino me deu várias dicas sobre o Caminho Português, mas algumas informações pareciam ter sido tiradas do guia que eu levava na mochila, então não levei muito a sério.
Mas ele me deu uma dica interessante, a de pernoitar no vilarejo de Téo a onze quilômetros de Santiago e assim eu conseguiria chegar antes da missa na Catedral. Só dependia de mim agora.
Agradeci pelas informações e segui viagem. A manhã foi muito tranquila, não encontrei nenhum peregrino durante todo o trajeto até Caldas de Reis e como a intenção era ganhar tempo, então eu só parava alguns segundos para bater uma foto e seguia adiante.
“A cidade de Caldas dos Reis é conhecida por suas fontes termais e fazia a ligação entre duas estradas românicas no século III. Caldas denomina-se ‘de Reis’ porque ali nasceu Afonso VII, filho de Urraca I e de Raimundo de Borgonha, conde da Galiza. O castelo que a rainha ali tinha foi derrubado e as suas pedras foram usadas na construção da igreja de São Tomás. Diz-se que esta igreja foi dedicada a São Tomás de Cantuária, que passou pela vila fazendo o Caminho de Santiago.”
Fonte: Wikipédia
As setas amarelas agora se encontravam com as setas vermelhas da variante espiritual, há muita opção de caminhada nesse trecho, tem que se tomar cuidado para não ir para o lado errado.
Minha amiga Tânia Francisco, peregrina do Porto, havia me recomendado ficar no mosteiro de Herbon próximo à Padrón, eu deveria seguir as tais setas vermelhas para chegar até lá.
Recomendou-me perguntar se o Mosteiro estava funcionando antes de ir, para não dar viagem perdida, assim entrei em contato com outro peregrino, Ovídio, que também é hospitaleiro no Caminho Português para confirmar.
A resposta foi negativa, o mosteiro estava fechado desde final de outubro e só abrirá as portas novamente em maio. Bom, pelo menos eu não ia dar viagem perdida!
A etapa é relativamente fácil, pois os primeiros quinze quilômetros são planos, tendo uma pequena subida e logo em seguida uma descida, mas nada preocupante coisa de 150 metros de elevação.
Já chegando a Pontecesures se vê uma enorme fábrica jogando fumaça pra cima, bem ao lado do rio. A imagem não era nada agradável, coisas do chamado “progresso”.
É possível pernoitar no albergue de peregrinos de Pontecesures, mas como havia decidido chegar a Padrón, segui adiante.
A distância que separa Pontecesures e Padrón é de apenas dois quilômetros, visualmente parecem como se fossem uma só cidade, mas são dois lugarejos totalmente diferentes.
Ao atravessar o rio o peregrino já se encontra em Padrón e os dois quilômetros que separam as duas cidades são realizados facilmente seguindo pelas margens do Rio Sar.
A Igreja do Apóstolo Santiago dá as boas-vindas aos peregrinos e é nela onde se encontra a pedra cujo nome é o mesmo da cidade, acredita-se que foi nessa pedra que os discípulos de Santiago amarraram o barco que traziam o corpo do Apóstolo, mais um segredo da fé católica.
O albergue de Peregrinos de Padrón fica ao lado do Convento do Carmo na parte alta e com ótima vista da vila. Então a dica para o peregrino, é se registrar no albergue e iniciar as tarefas rotineiras de peregrino para depois assistir a missa.
A missa no Convento do Carmo acontece às 19h30 e na Igreja do Apóstolo Santiago às 20hs. Por incrível que pareça é a primeira vez que encontrei louças num albergue da Xunta de Galícia, isso realmente é uma raridade.
Então, se o peregrino preferir ficar no albergue e preparar a sua refeição tem tudo sob controle, mas se não, o jeito é correr com as tarefas e procurar um restaurante nas proximidades para encarar um menu del peregrino.
Todas as opções de restaurantes estão do outro lado do rio, nas redondezas da Igreja, a melhor maneira de encontrar a localização deles é visualizando pelo Google Maps, pois estão um pouco escondidos.
No meu caso, entrei no primeiro bar que oferecia menu bem próximo da Igreja, o dono não parecia muito animado com o movimento da cidade naqueles dias e me atendeu bem devagar.
A comida também não estava das melhores, mas como peregrino não reclama, só agradece, comi o mais rápido que pude e fui correndo para a missa.
As missas na Espanha não duram mais que trinta minutos, se o peregrino chegar na hora do evangelho é a mesma coisa que chegar ao final, pois são muito rápidas!
Graças a Deus eu consegui chegar a tempo, fiz minhas orações e voltei ao albergue, onde encontrei com os dois peregrinos espanhóis da etapa anterior, perguntei para onde foram e disseram que andaram mais do que deveriam, acabaram se perdendo e caminharam no escuro.
Achei graça, pois me lembrei da minha etapa até Monsanto logo no início de minha peregrinação. Ainda bem que fiquei em Portela, tinha pensado em continuar com eles na noite anterior, mas como não souberam me dizer onde era o albergue, decidi ficar por lá mesmo.
Aos poucos o albergue de Padrón foi tendo a sua lotação esgotada, peregrinos de todos os cantos do planeta, australianos, coreanos, brasileiros, franceses, portugueses e muitos espanhóis.
Os coreanos são os mais engraçados, cheios de tecnologia e sempre com um sorriso estampado no rosto, sem falar das roupas que quase sempre são bem coloridas. Conversei um pouco com uma dupla que me disseram que o Caminho é muito famoso na Coréia e claro que citaram Paulo Coelho.
Aos poucos deixei tudo pronto pra sair de fininho no outro dia, pois será a minha última etapa do Caminho Português e Santiago está logo ali esperando aquele abraço!
Próxima etapa... Santiago de Compostela!